4 de fevereiro de 2014

Um samba para bagunçar o coração

"- Obrigado pela noite de ontem. Espero que não tenha bagunçado tanto seu coração.
- Não sei o quanto foi bom, mas continue sorrindo. Isso torna tudo mais fácil!
- Se for um caminho fácil para ganhar outro beijo, já estou sorrindo feito um bobo aqui."


Nunca me senti tão desnudo de razão como naquela semana. Depois da confusão na Festa da Cabana e a aparição de Pedro após anos distante, eu não sabia mais onde estava meu coração. Não que eu tivesse voltado a amar Pedro, mas meu coração estava cada dia mais distante de Lucas e eu me sentia um perdido naquele confusão que minha vida resolveu propor.

Lucas até tentou reaproximar com um milhão de mensagens no celular, no Facebook e em todas as formas que não envolvessem contato – pelo menos ele teve esse bom senso. “Ma, por favor, preciso falar com você, te explicar tudo. Me liga assim que puder. Te amo. Lucas”. Resolvi esquecer aquilo pelo menos por uma semana e me jogar nos estudos e no trabalho. Mergulhado em pilhas de papeis, ideias e escritos soltos, talvez eu conseguisse colocar minha alma para respirar.

Fim de semana, sábado de expediente, meu celular toca. Dan resolveu dar as caras depois de toda aquela confusão e eu tinha a obrigação de, pelo menos, reparar alguma coisa.

- Mateuzinho?
- Oi, Dan. Quanto tempo!
- Pois é, preferi te dar um espaço depois daquela confusão toda. Ficou tudo bem? Desculpa se estraguei alguma coisa, cara. A última coisa que eu queria era te ver mal.
- Eu que te devo desculpas, mas acho que consertar a situação é algo impossível, né?
- Bom, você pode aceitar sair comigo hoje e a desculpa fica aceita. Fechou? – Dan sempre disposto a baladas e levando a vida da forma mais leve possível. Ah como eu tinha inveja desse equilíbrio dele. Acabei topando o convite, mesmo sem muita vontade, e disse que iria levar um amigo. Enquanto estava chegando no trabalho, mandei mensagem para Pedro.

“Ei, garoto. Conseguiu ajeitar as coisas todas? Vai rolar um samba hoje em uma casa de show bacana aqui da cidade. Tá afim de ir? Vou com um amigo e acho que seria uma boa oportunidade de você começar a conhecer essa cidade. Rs. Abraço. Mateus.”

Pedro não tinha culpa de nada e eu faria o que fosse necessário para ajuda-lo naquela nova vida. Mesmo que tivessem se passado anos, o desejo de querer bem não passa quando o amor foi de verdade. Além do mais, eu precisava diversão, respirar de todo aquilo dilúvio de sensações.

Sentei em minha mesa para aquele sábado de trabalho, quando me deparo com uma caixa do meu chocolate favorito e um bilhete. “O que eu preciso fazer para te ter de volta? Procurei um psicólogo e comecei um tratamento para ser um homem melhor para você. Se não posso tornar sua vida mais doce, espero que esses bombons ajudem no seu fim de semana. Te amo desde aquele seu olhar envergonhado. Lucas”.

CA-RA-LHO! Mesmo depois de todas as merdas, Lucas sempre soube ser romântico o suficiente para me deixar sem chão. Desde o sorriso com o copo de bebida na festa até os puxões pela cintura em qualquer momento em que ele se sentisse ameaçado. E agora ainda vem com essa de psicólogo, de buscar ajustar o que não está dando certo... realmente, Lucas me deixava sem saber como agir.

Cheguei em casa e depois de uma tarde descansando, comecei os preparativos. Tomei um banho, coloquei aquele jeans com uma camiseta azul que destacava o esforço dos treinos na academia e ajeitei o cabelo. Pronto, era hora de cair no samba. Encontrei com Pedro e Dan (que, para variar, estava com outro molequezinho por lá) e logo sentamos para começar os serviços nos copos.

- Caramba, parece que tem uma vida que não te vejo, Mateus – disse Pedro assim que nos encontramos em um abraço caloroso de minutos. – Você continua lindo como sempre, né? E mais forte – sorri.
- Cara, a gente sempre tenta dar uma caprichada no corpo, né? – falei em tom de convencimento bem humorado. – Mas você também tá gatão, heim? Todo fortão, acho que não te reconheceria mais, viu? Cadê aquele menino magrelinho do interior que eu... conhecia.
- Pois é, o exército me obrigou a ser esse homem aqui. Tive que servir um ano lá na cidade mesmo e sabe como é a vida de exercícios físicos todo o dia, alimentação forte e treinamento de guerra mesmo.
- Explicado então – falei dando aquela olhada para mostrar de onde vinha a minha “admiração”.

A noite estava maravilhosa, Dan e Pedro se deram super bem, pareciam amigos lá do interior. Mesmo com o jeito mais recatado, Pedro já estava se acabando no samba, de um jeito que não fazia o menor sentido para o ritmo, mas que o tornava ainda mais atraente. Depois de alguns copos de cerveja e alguns dias em toda aquela tensão, acho que eu estava realmente desejando Pedro aquela noite. Entre um olhar e outro, o sorriso de Pedro parecia traduzir aquela sensação de reencontro, aquela coragem de menino que parecia ter encontrado a melhor brincadeira no samba e não queria nunca mais parar de mexer os pés.

Em um impulso, Pedro me puxou pelo braço para uma dança e, quando me dei conta estava com o corpo colado nele. Sorri como há semanas não sorria e tentei acompanhar o ritmo daquele menino moreno do sorriso largo. Parecia divertido, era como se eu tentasse me adequar novamente ao Pedro, ainda que apenas em uma dança. A próxima música começava quando Pedro resolveu repetir aquele mania de balbuciar as palavras mais inesperadas, só que dessa vez veio em forma de sussurro e melodia: “Me deixa te trazer num dengo pra num cafuné fazer os meus apelos”. Como quem completa a missão do dia, Pedro segurou pelo cabelo debaixo da minha nuca e me arrancou um beijo daqueles que eu não sabia se respondia com meu corpo ou com meus sentidos adormecidos.

Não, eu não podia ter feito aquilo. Quando me dei conta da merda que eu estava fazendo com Lucas, simplesmente desmoronei. Sai para a área externa da casa de show e Pedro veio logo atrás.

- Pedro, não posso fazer isso. Desculpa, mas não é certo.
- Por quê? Você quer, eu quero. Qual o problema?
- Preciso arrumar a bagunça que tá aqui – falei apontado para o coração com os olhos irritados, como quem implora para fugir dali antes que seja tarde demais. Abaixei a cabeça, eu era mesmo um babaca. Eu tinha o cara que todo mundo sonhou, tinha alguém que me amava e simplesmente estava ali. Em busca de que? Em troca de que? Ficamos em silêncio por alguns minutos enquanto eu olhava o céu apoiado no parapeito.

- Preciso ir. Você vai ficar bem? – meu coração apertava a ponto de sufocar qualquer desejo de diversão.
- Vou sim. Espero que você também. Qualquer coisa, me liga – Pedro se despediu com um beijo em minha mão enquanto me colocava em um táxi.

Cheguei em casa desesperado. Encontrei Flavinho e não conseguia dizer uma palavra. Minha vida estava uma merda, eu era um merda, não conseguia sequer lidar com um namorado ciumento e um ex que reaparecia. Simplesmente não dava conta de segurar todo o mundo de amor que havia construído em mim e que estava desabando.

Flavinho me ofereceu tudo que eu precisava: um colo e uma xícara de chá quente. Não sei se fazia calor ou frio, mas aqui dentro tudo congelava só de pensar em todas as possíveis perdas. Perdi a sinceridade com Lucas, perdi todas as certezas de que eu era dele, perdi todo a convicção daqueles “eu te amo” em nossas brigas constantes. Entre os soluços que cessavam, agarrei meu travesseiro e, olhando cada ponto que brilhava na janela do quarto, dormi.

Acordei bem tarde e Flavinho já tinha preparado o almoço. O que seria da minha vida sem ele? Sem o colo de irmão que eu tanto precisava mesmo sendo cheio de minhas certezas – todas vazias agora.

- Quer conversar agora?

Contei tudo que havia acontecido. Desde a Festa da Cabana que eu não conseguia dividir com Flavinho minha vida. Falei de Pedro com mais calma, da nossa sintonia, do meu momento de carência, do meu coração que doía e do beijo.

- Calma. Só foi um beijo. Pedro é alguém que você nunca esqueceu, você só precisa admitir. Lucas tem sido um babaca e ele sabe como te conquistar. Seu ponto fraco sempre foi a carência, a necessidade de se sentir olhado, querido, desejado. Lucas sabe melhor do que ninguém onde te buscar de novo.
- Mas eu ainda o amo. Ainda sinto como se a gente fosse feito um para o outro. Além do mais, Pedro foi há mais de cinco anos. Éramos crianças ainda.
- Crianças que transavam, né? – Flavinho nunca perdia a oportunidade.
- Não importa, mas nossos planos sempre foram distantes, nunca tão... reais.
- O que você sentiu ontem quando ele te beijou?
- Senti como se tivesse 16 anos, onde nada mais importasse. Só aquele sorriso dele!
- Viu? A “brincadeira” de criança ainda existe em você. Isso é mais real do que você imagina e você precisa lidar com isso. Você respondeu o bilhete de Lucas?
- Não.
- Então está na hora de começar a solucionar essa bagunça! – me entregou meu celular e fez cara de quem esperava a criança aqui começar a fazer o dever de casa.

“Lucas, que dia podemos conversar? Acho que já chega de distanciar os problemas, eles não vão sumir se estiverem longe. Beijo. Mateus.”

Mateus

Um comentário:

administrador disse...

Fico alguns dias sem acessar o Blogger, e quando retorno, leio e vem aquela sensação de que perdi algo. Terei que rever as postagens antigas pra saber o que perdi da briga, do ciúmes etc. Sorri e quase me emocionei com os detalhes magnéticos da narrativa do Mateus. Está caindo na minha graça, gosto disso. A ponto de ficar imaginando como ele redige suas postagens. Enfim, vejo que o texto foi escrito de forma corrida, depois de uns dias voltaram a cair nas armadilhas da gramática. O que antes da interrogação vem acentuado com circunflexo. E tem outros detalhezinhos ao longo do texto, mas está ótimo. Estou gostando bastante de tudo. Principalmente das emoções das personagens, que nos faz acreditar que independem de sexo e de gênero para nos acometer. E, modéstia parte, o homem do futuro é sensível. Abraços!!!