28 de janeiro de 2014

Vicente, uma surpresa

"- Tô dividido, Flávio. – Mateus mantinha um olhar apreensivo enquanto falava.
- Calma, Mateus. Estar divido agora pode ser uma preparação para se manter inteiro logo em seguida, quando tudo se resolver – falei acarinhando suas mãos."


Uma notificação nas últimas postagens do site apontava para a seguinte mensagem: “Parabéns pelas fotos. Seu olhar sensível me cativou. Vicente”. Fiquei surpreso e ao mesmo tempo envaidecido. Pelo visto, Vicente era do tipo que cumpria promessas, mesmo que as mais corriqueiras e sem esperança. Aquela mensagem me massageou o ego e arrancou de mim um sorriso sincero de agradecimento. Me lembrei da famosa frase de um clássico da minha infância, O Pequeno Príncipe: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Mesmo que nunca mais nos topássemos por aí, me fazia bem saber que alguém mais admirava o meu trabalho, tão cheio de significado para mim.

Esperei Mateus até alta madrugada. Quando ele chegou, meio sorrateiro e sem fazer barulho, corri até a porta do quarto a tempo de encontrá-lo no corredor escuro.

- Mateus, você tá vivo! – disse em tom de zombaria.
- Flavinho, me desculpa. Eu... – Mateus me abraçou forte, soltando um choro acumulado na garganta.
- Calma, calma. O que anda acontecendo com você, meu amigo? – acalantava suas costas, como se o ninasse em meus ombros – Tô aqui, você sabe. Se acalme. Tô aqui.

Mateus não disse uma palavra sequer. Apenas chorou em meus ombros, me abraçando forte a cada soluço. Preferi não insistir num desabafo que não viria; não em palavras. Bastava o choro. A ele, meu amigo querido, bastava meu colo.

Levei Mateus até seu quarto para que ele pudesse tomar um banho quente. Precisava descansar e isso ajudaria. Nesse meio tempo, preparei para ele um chá daqueles acalma-coração e, quando saiu do banho, eu estava esperando com um sorriso no rosto e uma xícara na mão. Mateus nunca foi muito adepto a chás e sempre torcia o nariz quando eu oferecia. Dessa vez ele apenas riu, sentou do meu lado pegando a xícara da minha mão e tomou o chá a goles lentos, como se cada gota revelasse dentro de si um segredo, ou uma resposta pela qual procurava. Eu o observava sem perguntas, feliz por ter conseguido cessar seu choro desesperado. 

Já mais calmo Mateus foi dormir. Me deu um beijo no rosto seguido de um “Obrigado” e deitou-se. Voltei para o meu quarto um tanto aliviado, mas ainda preocupado pelo que pudesse estar acontecendo, mesmo já imaginando os motivos. O motivo, pra ser mais claro. Antes de me deitar, dei mais uma olhada nas páginas abertas no computador. Havia recebido um novo e-mail. Um amigo da faculdade queria contratar meu trabalho e pedia que eu o encontrasse na faculdade logo pela manhã. “Poxa, amanhã é domingo! Só Augusto mesmo pra ter o que fazer na faculdade em pleno domingo”, pensei. A ideia de ser logo pela manhã (manhã de domingo, vale ressaltar) não me agradou muito. Acordar cedo não era meu forte e eu precisava estar por perto quando Mateus acordasse. Respondi com um “ok” e me atirei na cama prevendo meu mal humor ao acordar. 

Na manhã seguinte, acordei mais cedo do que desejaria acordar em qualquer dia da semana. Tomei um banho e um café apressado e saí rumo à faculdade, desejando que o trabalho que Augusto tinha a me oferecer valesse à pena o esforço. Augusto era gente boa, cursava Biologia e adorava o mundo das pesquisas e experimentos. Não sei ao certo como nos conhecemos, talvez em alguma festa, não lembro. Mas isso não tem muita importância agora. Ele estava sentado atrás de um computador e não percebeu quando entrei pela sala. Meu “Oi” repentino fez com que ele se assustasse sem jeito. Ao chegar mais perto, vi que uma das páginas abertas na tela era de um filme pornô (bem amador, por sinal) onde uma loirinha, amarrada nas grades da cama, era fodida por dois caras barrigudos. 

- Que pesquisa interessante, hein, Augusto?! – falei, rindo de toda a cena.
- Errrr... me deixe, Flávio!

Augusto desligou a máquina e me puxou pelo braço. Sentamos mais à frente e ele logo me explicou do que se tratava o tal trabalho que ele havia comentado no e-mail. Era um ensaio para o álbum de formatura da turma dele, nada demais. Mas queriam alguém que tivesse uma sacada legal e pensasse em algo diferente, nada formal. Nunca antes havia feito nada do tipo, mas topei o desafio. Trocamos algumas ideias e sugestões ali mesmo. Augusto era um tanto sem noção, mas devo confessar que ele tinha boas ideias. 

Ele ficaria na faculdade pelo resto do dia, mas eu precisava voltar. Nos despedimos com um aperto de mão e quando segui pelo corredor, esbarrei com a última pessoa que eu esperava encontrar por ali, na manhã de um domingo. Daquele domingo pra ser mais exato. 

- Vicente?! 
- Flávio, que surpresa boa! – disse com um sorriso largo.

Nos cumprimentamos com um aperto de mão demorado. Sua mão quente segurava a minha com força.

- O que faz por aqui, hein? A propósito, obrigado pela visita no site e pelo comentário – falei desfazendo o cumprimento, envergonhado pelo olhar que não se desviava de mim.
- Não precisa agradecer, seu trabalho é lindo. – fixando ainda mais o olhar – Eu estudo aqui. Faço mestrado em Letras. Vim adiantar umas pesquisas hoje. Gosto do silêncio desse lugar nos fins de semana. Vem cá, vou te mostrar meu cantinho.

Vicente me conduziu pela mão de posse de uma intimidade repentina, como se nos conhecêssemos, como se nos pertencêssemos de algum modo que eu não saberia explicar. Não retruquei e deixei ser levado. Algo em Vicente exalava confiança. Segui com ele pelo corredor. À frente, seu andar apressado intensificando o movimento dos quadris e da sua bunda volumosa. Quando me percebi observando tais detalhes do rapaz que me conduzia, agora por um pátio descoberto, sorri de pura descaração.

Fui levado a um espaço verde, com umas mesinhas dispostas à sombra de uma árvore grande. “É aqui”, ele disse. Vicente sorria como se me mostrasse seu esconderijo e eu fosse o único digno de dividi-lo com ele. Eu nada disse, tenso pela situação que começava a se desenhar, mas curioso para entender Vicente e sua repentina espontaneidade. Nada se parecia com o garoto tímido da capoeira de um dia atrás. Na verdade, era uma mistura do Vicente de dentro e fora da roda. Naquele momento, ele usava da malícia da luta, a perspicácia dos movimentos precisos, das palavras precisas e diretas.

- Eu gostei de você. – disse se aproximando. Fui pego de surpresa, mais uma naquela manhã. Fiquei apenas observando enquanto ele falava. – Não sei o que aconteceu, mas eu gostei de você desde o momento em que te vi observando a roda ontem. Não esperava te encontrar por tão cedo. Te ver hoje foi uma surpresa. – ele se aproximou mais ainda numa atitude decisiva – Eu quero você!

Vicente me beijou, seus lábios grossos duelando com os meus. Ainda que repentino, não fui pego de surpresa. Desde que nos encontramos seus olhos pediam por esse contato mais íntimo. O calor da sua mão também o havia denunciado. Retribui o beijo sem restrições, notando nossas línguas dançarem em um mesmo ritmo. Vicente me apertava a cintura em resposta à pressão feita por mim em seus braços.

Desfiz o beijo quando senti Vicente levar sua mão até meu pau. “Calma, calma”, eu disse. Ele tentou me puxar de volta, mas dessa vez me desvencilhei do seu toque. Seu pau duro mostrava-se volumoso sob a calça jeans.

- Me desculpa, não quis te assustar – disse tentando se recompor.
- Tudo bem, não precisa se desculpar, mas vamos com calma.

Não sei onde aquilo tudo nos levaria. Vicente me instigava e sentir essa atração tão repentina me deixou confuso. Era algo que beirava o sexual, mas corria por um caminho curioso. Um interesse qualquer por algo desconhecido por mim. 

- Péssima mania de ir com muita sede ao pote. Acabo assustando as pessoas. Sempre me ferro – ainda tentava se desculpar, mas eu já não me importava. Senti vontade de beijá-lo mais uma vez, porém, me contive. De repente, me dei conta das horas, pensei em Mateus.
- Me liga. Preciso ir – disse num susto, anotando meu telefone num pedaço de papel e entregando a ele. 

Não esperei por sua resposta e saí correndo. Chegar em casa era de uma urgência ímpar. Precisava conversar com Mateus e ajudá-lo de alguma forma. No caminho, me questionei como Vicente pôde abrir seu espaço em meus pensamentos em apenas um dia, premiado por uma coincidência incomum. Não demorou muito para o velho medo chegar. As borboletas esvoaçavam tensas no meu estômago e uma ansiedade duelava com a esperança e o desapego. Quando cheguei em casa, Mateus ainda dormia. Foi um alívio vê-lo dormindo tão tranquilo, mesmo com o sol já invadindo todo o quarto.

Flávio

Um comentário:

administrador disse...

Tenho me afastado do blog por esses dias, por conta de demandas. Mas foi inevitável voltar os olhos para cá quando li o nome do Vicente publicado na chamada da página de vocês no Facebook. Sempre que posso fico de olho, garotos. Gostando dos bons resultados ;)