18 de janeiro de 2014

Meio sorriso de um sonho inteiro

"- Sinto saudade daquele seu sorriso na festa do Renato.
- Sinto saudade de quando você tinha tempo para mim.
- É meu trabalho. Você sempre soube!
- Já disse que posso te tirar disso em dois tempos."



Sabe quando amanhece fazendo um sol típico para pegar uma praia, mas tudo está tão nublado aqui dentro que não há sequer vontade para sair da coberta? Quando as lembranças de uma relação gostosa se tornam só lembranças, quando o prazer da companhia vai sendo desfeito com o tempo, com as dúvidas, com uma crise de ciúmes dia sim, outro também, é hora de repensar o quanto aquela relação está sendo válida. Para os dois! Era isso que eu estava vivendo com Lucas.

Levantei da cama, peguei a caixa de fotografias e lá estávamos nós, rindo como dois apaixonados em nossa primeira viagem. Conheci Lucas em uma festinha de amigos da faculdade. Ele fazia Arquitetura, tinha 20 anos, cabelo loiro de praia, branquinho, alguns diziam que parecíamos irmãos. Morava com a família, ou melhor, com a mãe. Todo arrumadinho, responsável, trabalhava no escritório da família e a faculdade era só um passo para ele assumir o que o pai tinha deixado depois que morreu.

- Tá procurando o que? – perguntou o loirinho, que eu nunca havia visto naquela cidade, enquanto eu abaixava para pegar alguma bebida na geladeira.
- Er... vodca! Sabe onde tem?
- Aqui! – pegou o litro sem se quer tirar os olhos dos meus.

Caralho, que abusado! Ele sabia como deixar um cara sem jeito. Fiquei tão perdido que a dose foi maior do que deveria. Agradeci com um meio sorriso tímido e voltei para pista de dança. A festa estava animada, poucas pessoas de Publicidade, o que era um alívio por não ver os mesmos rostos ouvindo as mesmas músicas. O aniversário era de Renato, um grande amigo que conheci na faculdade e que fazia Arquitetura. Deduzi então que o menino da geladeira fazia Arquitetura. É, ainda estava com ele no pensamento.

Flavinho tinha sumido com sua câmera inseparável e alguma “ótima” companhia. Ótimo, estava sozinho em uma festa que conhecia meia dúzia de pessoas de rosto. Perderia uma aposta se precisasse acertar o nome de metade delas. A varanda é sempre uma saída para os isolados socialmente. Encostei no muro e fui terminando o copo de vodca com energético que o loirinho tinha servido. Olhei para o mar, brisa leve e sorri ao lembrar o sorriso dele. Tinha um lance angelical, mas tinha um tanto de malícia das boas. Talvez fosse essa mistura do puro com o proibido que tenha me deixado completamente sem jeito. Sempre adorei homens charmosos no sorriso. Se o olhar terminasse o serviço da conquista, eu estava inteiramente aniquilado naquela batalha.

- Precisando de mais bebida?

Olhei para trás como que despertando de pensamentos tão longe (que poderiam estar bem pertos). Uma garrafa de bebida na mão e o mesmo sorriso malicioso de minutos atrás.

- Acho que sim – sorri mostrando o copo quase vazio.
- Veio sozinho?
- Na verdade, não. Mas sabe como são amigos charmosos e fotógrafos, né? - acho que exagerei na cara de “estou sem companhia, você poderia ficar?”.
- Ah, pensei que fosse algum namoradinho aquele cara. A propósito, também gosto de fotografar.
- Sério? O que você fotografa?
- Nada profissional. Gosto de fotografar lembranças, para olhar depois, sabe? Tipo esse seu olhar cabisbaixo com a bochecha avermelhada a cada vez que eu tento te encarar.

Pronto, agora eu realmente estava pegando fogo de tanta vergonha.

- Então você deve ter um monte de fotos desses garotos envergonhados com suas doses de bebida... e com esse olhar! – a última frase saiu baixa, mas com altura suficiente para ele ter ouvido, já que riu bastante. Talvez pela minha timidez exagerada. Engraçado que há muito tempo eu não tinha me sentido assim com cantada de outro cara. Sempre encarava as palavras, retribua os olhares, sorria em uma dose ainda mais maliciosa e, geralmente, o fazia perder o domínio alfa da conquista. Mas com o Lucas estava sendo diferente. Não conseguia me impor em cima daquele cara com jeito de menino e olhos de homem curioso.

Enchemos os copos e ficamos conversando por horas na varanda. Ele me contou que fazia Arquitetura, mas que era apaixonado por fotografia e cinema. Acabou não tendo muita escolha já que era filho único e precisava assumir, futuramente, a empresa da família. Saia pouco e só aceitou vir ao aniversário do Renato, porque eram amigos de infância.

- E você? Sempre quis Publicidade?
- Sempre quis fazer com que as palavras fizessem mais sentido. Não necessariamente em outdoor ou letreiros enormes pela cidade. Acho que sempre quis mesmo ser escritor – mais um gole para terminar o copo e eu já estava tonto o suficiente para continuar aquele papo de futuro, vida, desejos profissionais.
- Opa, acho que tem alguém aqui precisando parar com a bebida – falou me segurando e tirando o copo da minha mão com muita resistência.
- Estou ótimo. Só está tarde. Preciso procurar o Flavinho para voltarmos.
- Seu amigo já foi faz tempo.
- Que filho da mãe. Tá... preciso de um táxi então!
- Posso te deixar em casa. Você não está tão sóbrio, mas só precisa conseguir me explicar onde mora.

Aquela parecia ser uma boa proposta. Acabei topando e, durante o caminho que não era tão longo, trocamos contatos. Agendei meu número no celular dele e agradeci a carona assim que paramos na porta de casa. Coloquei a mão para abrir a porta do carro, mas parecia ter esquecido algo e voltei para falar quando percebi os olhos de Lucas perto demais para qualquer frase ou palavra. Alguns segundos de um beijo que poderia ter durado a noite inteira para me fazer ainda mais companhia. Pensei em chamar Lucas para subir, mas já estava amanhecendo e eu precisaria trabalhar no outro dia à tarde. Sorri, abri a porta e deixei Lucas ir. Com certeza não por muito tempo.

Acordei com uma mensagem dele no celular: “Sabia que a sensação do seu beijo é ainda melhor de ser lembrada que o do seu rosto avermelhado com meu olhar? Pena que, nem se eu quisesse, poderia fotografar isso para lembrar depois”. Sorri e aquele domingo parecia ter amanhecido ainda mais bonito. Mesmo não acreditando em príncipe encantado e toda a realeza de uma história com felizes para sempre, eu parecia ter encontrado o cara que desejei por alguns anos. Pelo menos o cara que eu desejei em um primeiro encontro. Nada de beijos no meio da balada, nada de esquecer o nome no outro dia, nada de sexo sem o dia seguinte de companhia. Lucas tinha sido o não-dito que deixava o frio na barriga só em pensar daqueles segundos de beijos seguidos do sorriso malicioso.

Mateus

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