20 de janeiro de 2014

A Festa da Cabana

“- Onde será que estaremos daqui a seis anos? – perguntei.
- Casados. Você escrevendo suas histórias em livros famosos e eu no escritório mais procurado da cidade. Talvez em uma das nossas inúmeras viagens de lua-de-mel.
Parei alguns segundos olhando para o teto daquele quarto.
- Acho que estaremos eternamente em busca do amor.”


Sem avisos, sem recados. Calcei o primeiro chinelo que vi pela frente, pus os óculos escuros que estavam em cima da cabeceira e fui me esconder em algum pedacinho de areia da orla na Barra. Não aguentava mais as crises de ciúmes de Lucas, as mil histórias que eu precisava ouvir todas as últimas vezes que sentava naquele carro. Cadê o sorriso encantador? Cadê os beijos sem tanta cobrança? Cadê as mensagens despretensiosas e cheias de charme?

Além de trabalhar na agência de publicidade, fazia alguns trabalhos como modelo fotográfico para ajudar no orçamento do final de mês. Morar fora de casa já não era como antes e, se eu quisesse desfrutar de alguns prazeres como viagens, roupas, baladinhas e boas comidas, eu precisaria mesmo correr atrás (ou na frente dos outros). Lucas nunca entendeu que eu não nasci com uma empresa nas mãos, sem chefe para dar satisfação, muito menos um patrimônio herdado para administrar sozinho.

- Quantas vezes eu vou precisar dizer que as nossas viagens, as nossas saídas e o que você precisar eu posso te ajudar, caralho? Mas larga esse negócio de ficar sendo fotografado, se exibir por aí... não gosto do que é meu sendo exposto em outdoors e revistas e desfiles.
- Lucas, não sou seu. Ser namorado está longe de ser dono. E não, não quero um cara para me bancar. O que eu preciso fazer para você entender de uma vez por todas que eu te amo? A gente namora há mais de um ano. Aceitei usar esse anel de compromisso por você. Deixo de sair com o Flavinho várias vezes porque você acha que “os amigos do Flavinho” sempre estão afim de mim. Cara, ACORDA! Eu tô cansado disso.

Nossas brigas eram constantes e pelas mesmas coisas, mas no último sábado a coisa ficou séria. Há um ano formado, resolvi entrar em um curso de Design para dar aquela aprimorada no currículo e, quem sabe, ajeitar meu e-book com o cuidado que ele merecia. Mesmo sendo só alguns dias da semana, novos projetos chegam com novas pessoas. Sempre gostei de encontrar gente nova, afetos novos, ideias novas. Renovar faz bem pra alma, deixa ela respirar com mais leveza. Em meio ao caos da rotina quente dessa cidade então... fazia um bem danado!

Com seus 25 anos, Danilo era a pessoa que eu mais me aproximei no curso. Mesmo com todo seu jeito “machão” de ser, encontrei em Dan um irmão com todo seu lado cuidadoso e sensível. Em semanas, tinha a impressão de conhece-lo há anos. Com toda correria, sempre conseguíamos sentar e colocar os papos em dia. Nos desencontros de rotina, encontrava mais Danilo que Flavinho, ainda mais que trabalhávamos no mesmo prédio. Apesar de extremamente atencioso e carinhoso comigo, Dan sempre contava suas histórias de badalação com seus vários casinhos, mas nunca algo que pudesse render algo sério. Negro, alto, sempre em busca do corpo malhado para deixar os carinhas impressionados e extremamente cheiroso, Dan era aquele típico cafajeste que deixa a maioria se mordendo para experimentar pelo menos uma noite com ele.

Não preciso dizer que só foi preciso uma saída para tomar uma cerveja depois do expediente para Lucas tratar de colocar pulgas atrás da orelha. Mas foi na Festa da Cabana que a coisa tomou proporções fora do comum. Fui com Lucas, mas também combinei de encontrar Dan e o paquerinha do dia dele por lá. 

- Lucas, esse é o Danilo que eu tanto te falo – apresentei com sorriso no rosto e apreensão na barriga.
- Beleza, cara? Quer dizer que você é o famoso Dan – fazendo questão de destacar o Dan mais do que deveria, Lucas não poderia ter começado melhor.
- Famoso? Deixo por sua conta – sorriu na tentativa de amenizar o clima e logo foi apresentando o seu paquerinha da vez. Branquinho, magrinho, cabelos cacheados e cara de mais novo: quase sempre os acompanhantes de Danilo obedeciam a esse biótipo. Descobrimos que ele fazia Engenharia Civil, por isso, logo engatou uma conversa sobre as novas construções de um parque empresarial com Lucas.

A Festa da Cabana rolava duas vezes ao ano, em uma casa de praia próxima à Guarajuba. Poucas pessoas, nome na lista e ótimas atrações que misturavam vários ritmos populares com eletrônico. Enquanto os meninos do universo de construção da cidade viajavam pelo mundo dos projetos, resolvi dar uma volta com Dan e paramos na área da piscina para conversar, ou melhor, para eu reclamar das crises desnecessárias de Lucas. Entre uma taça de bebida e outra, acabei me distraindo com as histórias de Dan e as vagabundagens dele, o que incluía o novo branquinho da vez. Pelas histórias que ele me contava, não tinha dúvida que a lábia daquele negão conquistava tanto quanto o sexo depois das festinhas.

Dan tinha mania de se aproximar demais entre umas risadas e outras, mas nunca vi aquilo com maldade. Pra mim, era o jeito “brother” dele, um lance de dar tapinhas entre uma história e outra ou um abraço no meio do nada. Mas para Lucas não era bem isso. Naquele dia, o destino parecia não colaborar e Lucas acabou vendo um desses abraços enquanto se aproximava.

- Acho que tô atrapalhando alguma coisa né?
- Não, cara. Só a resenha que eu tava contado pro Mateuzinho, mas nada demais.
- Cara, eu acho melhor você se afastar do Mateus antes que as coisas não fiquem legais pro seu lado.
- LUCAS!
- Sério, é Mateuzinho pra lá, abraço do nada pra cá. Nem o carinha ali que ele tá saindo, o cara respeita.
- CHEGA, LUCAS! Danilo é apenas meu amigo e você está ficando neurótico com esse ciúme doentio.
- Amigo? Cara, se liga, ele não sai de cima de você. Vive te rodeando o tempo inteiro, cheio de cuidados, de ligações, de saídas... só você não enxerga, Mateus. O cara quer te pegar, te fazer de mais um, como ele faz com todos os carinhas que pega nas baladas. Usar e jogar fora! Um típico babaca de festas. Você acha pouco estar grudadinho em curso, intervalo do trabalho, happy hour e resolve também ficar de papinho na festa que você chama seu namorado para vir?

Não, eu não acreditava que Lucas tinha dito aquela merda toda e na frente do menino que Danilo estava saindo. Eu sentia vergonha por tudo: por questões íntimas sendo despejadas ali, pelo menino que, provavelmente, se sentia agora um objeto sendo usado, por ter um namorado babaca que não conseguia controlar suas crises desnecessárias de ciúme. O pior de tudo é que eu não fazia ideia de como reparar toda a situação. Preferi não dizer nada. Enquanto uma lágrima escorria de raiva misturada com vergonha, apenas virei as costas e sai em direção a porta da festa. Não havia clima para diversão, não havia motivos para dançar, o grande show já havia sido feito e a ressaca dos acontecimentos já amargava em minha garganta.

Para a minha sorte, encontrei um ex colega de faculdade na porta, que ofereceu carona e um minuto de papo. Sentei no carro dele e só fazia chorar enquanto o celular tocava desesperadamente, revezando entre mensagens de Lucas e de Danilo. Não era hora de encarar nenhuma dos dois. Precisava esquecer aquilo tudo e logo. Cheguei em casa, desci do carro e só consegui me jogar na cama. A festa tinha começado pela manhã e terminado mais cedo do que eu imaginava. Mesmo tendo dormido um pouco, ainda era meio de tarde. Flavinho não tinha chegado e eu não fazia ideia de onde ele estivesse. Decidi fazer da água do mar minha companheira em uma caminhada. Nada melhor que o mar para te entender nesses momentos.

Às vezes, as relações vão sendo desfeitas lentamente, como um castelo de areia que a onda não atinge, mas vai chegando cada vez mais perto. Racha uma parede, derruba uma torre, molha a entrada do castelo, mas jamais desfaz tudo em um segundo. Eu estava sentindo a correnteza arrastar lentamente os grãos daquela relação. Mas não tinha outro balde de areia para consertar. Não tinha sequer dois pares de mãos dispostos.

O celular vibrou. Decidi ver quem era depois de uma tarde inteira fora do ar. Uma nova mensagem privada no Facebook. “Oi, Mateus. Quanto tempo, não? Nunca mais tive notícias sua. Resolvi abandonar essa nossa pequena cidade e me arriscar por aí. Estou chegando em Salvador hoje à noite. Quando tiver um tempo, queria te ver. Quem sabe você não possa ser um bom guia nesse meu novo mundo. Rs. Beijos. Pedro”.

Mateus

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